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"Do muito que falou, se perdeu o homem. Mas do pouco que escreveu, aprendeu o menino."
Nilo Mendes

quarta-feira, 21 de março de 2012

“ Ainda lembro...!”


    “ Hoje eu acordei com um sentimento de perda tão forte e eu sei que nada neste mundo me trará de volta o que perdi.Ainda lembro da felicidade da minha esposa,quando descobriu estar grávida do Nicholas,nosso primeiro filho.Eu confesso ter ficado preocupado e feliz ao mesmo tempo.Nem sei se isso é possível,mas eu fiquei.Ser pai é muito mais do que engravidar uma mulher.É preciso saber amar e cuidar deste pequeno prolongamento da união de duas pessoas chamado filhos.
     Fizemos planos sobre qual seria o nome do bebê e ficou estabelecido que se fosse menino,eu daria o nome e se fosse menina,a Détty escolheria.Eu escolhi Nicholas e a Détty,Maryane...Quando foi feito a ultra-sonografia,ficamos sabendo que era um menino e seu nome seria Nicholas.Ainda lembro das idas e vindas ao médico,no pré-natal,o qual fazíamos com todo cuidado e carinho...
    Ainda lembro do que não gostaria de lembrar...Tudo deu errado,meu filho amado.Tudo.A começar pela escolha do médico.Nós corremos o dia todo entre um hospital e outro,para que tudo ficasse bem com você.Mas o dia foi pouco e passamos a noite inteira na esperança de que um hospital ficasse com a sua mãe e você.Não existem muitas pessoas comprometidas com a vida alheia,mesmo aquelas que fazem um juramento de ética ao cuidar dos pacientes,ao pegar um diploma de médico...Com a gente não foi diferente meu amado filho...Um descaso total e sem precedentes.E você,meu lindo,não tinha nada com isso.Apenas que alguns homens decidem fazer o que é errado em vez do que é certo...
     Estava amanhecendo,quando sua mãe veio me avisar de que você estava morto havia quase dez dias.Eu parei no tempo.Confesso que mesmo tendo ouvido tudo direitinho,não conseguia acreditar no que ela me falava.Aquilo não poderia estar acontecendo com a gente.Era o que eu me repetia,depois que sua mãe voltou para o quarto.Eu não via nada à minha frente e no desespero tão meu,caí de joelhos e eu não conseguia orar,apenas urrava...Eu sei que pessoas passavam por mim,mas o que elas poderiam fazer para me ajudar?Nada!Então acho que elas seguiam em frente.Ah,eu acho que Deus não me ouviu.E por mais que eu creia Nele,o desejo do meu coração não foi atendido por Ele...Mas Ele sabe sempre o que faz e é somente por saber disto,é que consigo andar mais um pouco...
    Hoje eu já chorei muito.Lembrei-me de que nos primeiros dias sem você,eu sonhava que me pedia socorro,por que estava se afogando em uma àgua meio escura e eu nunca conseguia chegar à tempo,por mais que eu corria.Eu acordava todo suado e tremendo de raiva e queria poder dormir e continuar o sonho,na esperança de conseguir te salvar.Nada acontecia como eu queria e minha raiva crescia a ponto de eu arquitetar um plano para matar o médico.É Nick,seu pai um dia desejou matar um homem.Quem poderia imaginar tal absurdo né?
    Minha mâe não deixava eu sair de casa e depois de uns vinte dias,eu consegui dominar a raiva que eu sentia e falei prá minha mãe que ia trabalhar e fui ao hospital,onde o médico dava plantão.Preenchi uma ficha e ninguém desconfiou de um homem fazendo consulta com um ginecologista.Esperei quando ele chamou uma mulher que pela aparência,faria uma consulta de rotina,pois a sua barriga indicava que ela apenas poderia estar no início de uma gravidez e entrei em seu lugar,dizendo que era urgente e que não iria demorar...
     Quando entrei no consultório,ele olhou desconfiado prá mim,Talvez por ter chamado uma mulher e ter entrado um homem.Eu fechei a porta e guardei a chave no meu bolso,e eu vi que ele havia notado o que eu fiz.Não me importei,pois a sorte dele seria traçado pelo o que ele faria ali,na minha frente...Sentei na cadeira em frente a mesa dele e me identifiquei.Disse que eu era o esposo da Creusa e pai do Nicholas,bebê que ele matou por incompetência.Ele começou a suar e mandou que eu o processasse.No que eu o interrompi rapidamente.Eu disse a ele que na Santa Casa de santos,onde a minha esposa e o meu filho foram atendidos,a médica que os atenderam,me disse para processá-lo por erro médico.Quando falei que ia chamá-la como testemunha,ela imediatamente me falou de  um tal  juramento que os médicos fazem  de nunca serem testemunhas de acusação entre eles.Falei prá ela do meu desprezo por todos eles,que maculam o juramento de salvar vidas e virei as costas,por medo do que poderia fazer ali...
     Ele continuava suando que nem um porco,pois é baixinho e gordo.Disse que o processo que estava destinado à ele,era um tiro na testa ou uma facada no coração.Ele tremia e falou que alguém ouviria os tiros e eu seria preso.Olhei prá ele e sorri de raiva.Disse que o meu desejo era apenas que ele estivesse com o diabo e o que me acontecesse depois,era lucro.Eu tinha um plano e se eu o matasse,ninguém me pegaria.Expliquei a ele o que faria e ele sentiu que a vida dele estava em minhas mãos.O que não era verdade...
     Disse à ele que eu era evangélico e apesar de ficar revoltado com o descaso e da impunidade que existe neste país,que a meu ver se torna o 4º comando paralelo que atua neste Brasil sofrido(o 1º é o executivo,o 2º é o legislativo,o 3º é o judiciário e o 4º é este que acabei de mostrar),eu tinha razão,mas não o direito de tirar a vida de qualquer que seja,mesmo sendo o assassino do meu filho...Disse á ele que Jesus falou da profissão dele na Bíblia,quando citou que os doentes precisam de médicos e que ele deveria honrar o que fazia e que lá fora,havia umas trinta mulheres que passariam por ele e se ele não cuidasse delas direito,um marido revoltado poderia fazer com ele o que eu não posso.Me levantei,peguei a chave,abri a porta e fui embora...
     Sabe Nick,o ódio mancha a nossa vida e se não for dominado,gera uma guerra que só acaba quando morremos.Eu agrdeço à Deus por ter me livrado de ter cometido um assassinato,ato do qual eu me arrependeria amargamente,pois eu poderia matá-lo mil vezes e você não voltaria prá mim,uma única vez...às vezes eu o vejo na cidade e meus olhos escurecem de angústia,então,se estou sentado,me levanto e vou embora.
    Ainda lembro de que sua mãe não pôde te ver e eu disse prá ela que você é lindo,moreninho e que seus cabelos são pretos e fartos,que você é muito grande...Ela ficou feliz.Eu só não consegui dizer á ela que te vi deitado em uma mesa de mármore no necrotério do hospital e que quase enlouqueci de impotência,por nada poder fazer por você...Ainda lembro meu amado filho...Que saudades Nicholas! Ainda lembro o que eu não desejo lembrar...!”
12/07/2011                                                                                                                     Nilo Mendes.

6 comentários:

  1. Olá Nilo,chorei muito quando li esta sua história me fez lembrar das minhas perdas,gostaria muito de ter este dom de passar para o papel os meus sentimentos mais infelizmente eu não tenho porque o que voce tem é um dom que Deus te deu,isso faz com que a nossa dor se torne amena,não carregue magoa no seu coração,,tudo que acontece é permissão de Deus .Um grande beijo no seu coração,Deus te abençoe!

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  2. Obrigado Joana,por seu carinho!Realmente,quando falamos de nossas perdas,temos a certeza de que nem sempre conseguimos passar adiante e apenas preservamos dentro de nós,a nossa dor...O que escrevo mistura ficção com a minha realidade e sei que alguém se encaixa naquilo que comsigo traduzir no papel...Obrigado,minha amiga!

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  3. Olá

    Nilo muito emocionante, coração chega a pulsar de emoção. Lendo essa historia como disse a Joana, um dom de Deus. Você é abençoado !
    Você foi escolhido para transmitir essa emoção, de quem escreve para os que leêm ! Confesso que me emocionei muito! Parabéns e obrigada por nos presentiar com esse espaço maravilhoso !!

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  4. Olá Rosangela!Obrigado por seu carinho e pelas palavras de incentivo...Fico feliz em saber que se emocionam com o que escrevo e confesso que quando termino uma crônica,faço a revisão,pois sempre erro nas palavras por também chorar...Afinal,minha vida ou uma parte dela é exposta em cada história...Obrigado!

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  5. O que dizer a uma mãe ou a um pai que acabou de perder seu filho? Há momentos em que não existem palavras para expressar os sentimentos. Esse é um deles,só posso dizer: que sinto muito por vcs , e que os erros médicos e a impunidades continua causando dor e sofrimento , lamentável meu amigo .

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