“ Em uma linda
tarde de domingo,estava eu em casa,tentando achar algo que pudesse fazer
voltar,a vontade de me sentar em frente ao computador e escrever algo
novo.Precisava encontrar algo que me motivasse.Estava cada dia mais difícil...
Eram quase
21:00,quando o telefone tocou.Era um amigo que fazia muito tempo que não nos
falávamos.A vida nos fez cada um seguir em uma direção diferente,mas a amizade
continuou e eu nunca troquei o número do meu celular;daí a confirmação do que
eu sempre pensei ser verdade:”Toda a água que passar por sob uma ponte,um
dia,poderá tornar a passar novamente...”.Carlos,este é o nome do meu amigo,me
disse que em uma de suas andanças pelo interior de Minas Gerais,ficou sabendo
de uma conversa de botequinho,que no sertão,lá nos confins das montanhas,havia
um homem que morava sozinho e que quando
descia na cidade,falava apenas o nescessário e ao terminar de comprar querosene
e sal,voltava de onde vinha.Um homem tentou seguí-lo,mas seus rastros haviam se
perdido,quando ele entrou em um córrego.Este homem voltou sem muito o que
falar,e a fama do eremita cresceu na cidade.Todos falavam do misterioso
homem.Carlos gostava de escalar e fazer trilhas.Era rico e sempre tinha tempo
para fazer o que mais desejava e numa destas viagens para escalar,foi parar na
cidadezinha do tal homem das montanhas...Ele ainda me disse que se lembrou do
quanto eu gostava destas histórias e resolveu me ligar.
Fiquei interessado
e ele me passou a localização e o nome da cidade.Agradeci e marcamos um almoço
para quando eu voltasse da minha caçada ao misterioso homem das montanhas de Minas
Gerais.Peguei uma mochila,enfiei nela algumas roupas,o meu gravador com as
devidas baterias,vários bloquinhos e alguns lápis para escrever...Estava tão
impaciente para chegar na cidade do
homem,que nem tive dúvidas e me coloquei
na estrada.Havia milhares de kilômetros para percorrer e dirigir à noite
era o que eu mais gostava de fazer,pois depois de certas horas,a rodovia ficava
toda prá mim.Eu sempre gostei de dirigir sozinho,sem o barulho horríveis das
buzinas...
E lá estava eu e
aquela pista enorme e solitária só prá mim.Pisei mais fundo no acelerador e as
paisagens iam passando por mim,numa velocidade acima do normal.Estava com
pressa de chegar e sentia que algo novo poderia surgir nesta viagem rumo ao
sertão da minha Minas Gerais...
O dia já havia
amanhecido,quando eu parei em um posto de gasolina para abastecer o carro e
como estava com fome,resolvi tomar um café e comer algo,pois saco vazio não
para em pé...Meia hora depois,estava novamente na estrada.Não via a hora de
chegar na tal cidade...Coloquei um cd no rádio e começou a tocar uma música que
me fez lembrar de você.Não sei porque,mas ainda sinto a sua falta...
Já era
noite,quando cheguei na tal cidade.Parei
no único posto que havia,pedi ao frentista que enchesse o tanque e enquanto ele
fazia o seu serviço,perguntei se havia um hotel no qual eu pudesse me hospedar
por uns dias.Ele sorriu e disse que não poderia haver um hotel naquela pequena
cidade,que mais parecia uma vila.Eu concordei com ele,mas em
pensamentos...Ele,depois de encher o tanque e de ter recebido,me indicou uma
pensão que serviam café,almoço e jantar.Estava perfeito...
Entrei na pensão e
me achei em um ambiente familiar.Uma senhora veio me receber e pedi um quarto
por duas semanas.Paguei adiantado,pois não sabia o que poderia me acontecer em
um lugar estranho e no qual eu havia me proposto seguir um homem mais estranho
ainda.Era uma loucura,mas eu estava ali né?Fui para o meu quarto,tomei um banho
e desci para jantar.Havia chegado tarde,mas a senhora me abriu uma deliciosa
excessão e me serviu um maravilhoso jantar...
Ela me perguntou o
motivo da minha visita àquela vila e eu respondi que estava em busca do
estranho homem das montanhas.Eu escrevia histórias e achava que se conhecesse o
tal homem,poderia encontrar algo novo para escrever.Ela revirou os olhos,como a
me dizer que eu havia perdido o meu tempo,pois ninguém jamais trocou meia
dúzias de palavras com o tal homem...Mas ela ainda disse que o tempo era meu e
o dinheiro gasto também,portanto,me desejou sorte...Levantando da mesa,começou
a recolher os pratos,eu agradeci e fui dormir,pois amanhã seria um outro dia...
Na manhã
seguinte,após o café,resolvi conhecer a vila e os seus moradores.O que não foi
muito difícil,pois a maioria já haviam visto a placa do meu carro e sabiam que
alguém de outro Estado estava na vila.Em
poucas horas já tinha conhecido quase todos e eles estavam sabendo o que eu vim
fazer ali.Todos me desencorajaram.Menos o dono da mercearia,pois ele queria que
eu comprasse tudo o que eu poderia precisar para seguir o tal homem...Ele me
alugou um cavalo e me vendeu alguns utencílios de acampamento.Estava tudo
preparado para quando o tal homem aparecesse.Eu tive muita sorte,pois ele veio
dois dias depois da minha chegada.Ao ser avisado,verifiquei se estava tudo
dentro da mochila,inclusive o binóculo infra-vermelho que ganhei e que me seria
muito útil.Me despedi da senhora e fui em direção à mercearia.Da esquina da
rua,avistei o cavalo que tinha alugado e que já estava todo equipado a minha
espera...Entrei na mercearia e pude finalmente ver o homem das montanhas.Ele
estava de costas prá entrada e ele não me viu,então pude observá-lo sem ser
percebido.Era de estatura média e muito magro,suas roupas,apesar de estarem limpas,eram surradas
ao extremo e estava descalço.Me sentei em uma mesa perto da porta e pude vê-lo
em ação,fazendo a sua compra de sal e querosene.Desta vez,ele comprou munição
para sua espingarda de caça...Quando ele se virou para sair,vi o seu rosto.Ou
melhor,quase vi,pois ele estava coberto por uma longa e espessa barba e os seus
cabelos também eram compridos.Os seus olhos eram diferentes.Eram negros e não
havia brilho.Ele me olhou diretamente e eu não fugi ao seu olhar.Ele parou por
um instante e seguiu rumo à porta...
Da janela eu pude
observá-lo por mais um espaço de tempo.Ele colocou tudo o que havia comprado em
cima da sua mula de carga e puxando-a pelas rédeas,foi subindo a rua em direção
as montanhas...Todos estavam de olho em mim.Queriam ver a minha reação.Eu me
virei para eles e disse;Finalmente eu o conheci e agora vou seguí-lo.O dono da
mercearia me disse que tudo estava pronto e em cima do cavalo,mas que se eu
quisesse ir atrás dele,teria que ir logo,pois caso contrário,perderia ele de
vista ainda dentro da vila.Todos riram da piada,inclusive eu...Fui prá fora e
montei no cavalo,o que eu fazia muito bem,pois nasci em uma fazenda.
Segui em
frente,deixando uma boa distância entre eu e o tal homem.O dia já ia pela
metade e nada do homem parar para comer e eu estava morrendo de fome,pois nem
tinha tomado café.Foi neste momento que eu peguei o binóculo e vi que ele comia
e bebia enquanto andava.Safado e esperto.Procurei no saco de alimentos que o
merceeiro me preparou e tinha vários biscoitos e uma garrafa de café.bendito
homem.Teria de agradecê-lo quando voltasse.Se voltasse...
A noite chegou e
eu o perdi de vista,pois nada conhecia do local e não se enxergava um palmo à
frente do nariz.Me aproximei de umas pedras e apeei do cavalo.Tirei a sela de
cima dele,dei um pouco de água e o amarrei em uma árvore para pastar.Montei a
minha barraca,o que foi dificílimo,pois estava muito escuro.Cavei um pequeno
buraco na terra,circundei-o com pequenas pedras e acendi uma fogueira para me
esquentar e afugentar qualquer tipo de animal que pudesse existir ali.Comi o
resto dos biscoitos e tomei mais um pouco de café.Antes de dormir,tomei nota de
tudo o que tinha acontecido durante o dia e depois fui dormir.O que demorou
para acontecer.Não posso dizer se era pelo cansaço,pois fazia muito tempo que
não cavalgava ou pela raiva de ter perdido o meu amigo de vista.Nossa,eu estava
cansado mesmo,pois estava até chamando aquele estranho homem de amigo.Um homem
que eu nunca havia visto e nem trocado sequer uma palavra.Eu adormeci pensando
no jeito em que ele havia me olhado.Era o olhar firme de alguém cansado de ver
as coisas...
Ao acordar,senti
muito mais do que percebi,que havia algo muito errado.Me levantei e sai da
barraca e pude constatar que o safado,durante o meu sono,me roubou tudo o que
eu tinha trazido da mercearia,até o cavalo ele levou...Só não me roubou a
mochila e as minhas coisas pessoais,pois estavam comigo,dentro da
barraca.Safado!Bom,não adiantava eu ficar xingando e eu precisava era dar um
jeito na situação.Desmontei a barraca e a coloquei em minhas costas,junto com a
mochila.Olhei com atenção o terreno em volta e vi que havia rastros,resolvi
seguí-los.Quase duas horas depois,a fome e a sede estavam me matando,se não
bastasse a raiva que estava sentindo e o pior seria voltar de mãos abanando na
vila,literalmente de mãos abanando...Safado!
A noite chegou e
eu já nem sabia mais o que era estar cansado,com sede ou com fome.Continuei
andando e de repente,comecei a cair.Estava escuro e eu cometi o erro de não
parar.Talvez fosse a fome,ou a sede que aliadas ao cansaço,me fizeram deixar de
pensar...Como estava caindo morro abaixo,me coloquei na posição fetal e
protegia a cabeça com as mãos...Enquanto rolava,nada via,apenas senti que batia
em algumas coisas e em dado momento,senti uma dor aguda,pois bati as costas em
um tronco.Gritei de dor e não vi mais nada...
Despertei
sentindo um cheiro tão delicioso de toucinho frito.Por um momento pensei estar
ainda na pensão,mas logo percebi que estava enganado,pois ao me virar para me
levantar,senti uma forte pontada nas
costelas e urrei de dor e apaguei novamente.Quando acordei ,apenas abri os
olhos e pude ver onde estava...Confesso que não gostei do que via...Estava
dentro de uma caverna,iluminada apenas com o fogo que saia de um fogão à
lenha,que ficava em um canto.E para minha completa surpresa;quem estava
cozinhando era o homem à quem eu perseguia...
Fingi que ainda
estava inconciente e aproveitei para observá-lo melhor,pois não tinha noção
alguma de como as coisas iriam se desenrolar a partir dali.Minutos depois ele
se aproximou de onde eu estava deitado e me deu um prato de feijão com
toucinho.Nada falou e eu apenas agradeci e comi,pois estava faminto.Ele comeu
em um canto afastado de mim e em seguida saiu prá fora.Enquanto isso pude
constatar que ele passou um pano em volta do meu corpo,fazendo pressão em
minhas costelas.pela dor que eu sentia ao respirar mais forte,percebi que havia
fraturado algumas costelas,mas nada além disto.O que era muito bom.O homem
retornou somente à noite e novamente cozinhou e me deu comida.Em
seguida,adormecemos.
Na manhã
seguinte,após o café,ele se aproximou de onde eu estava e me pediu desculpas
por ter me tirado os meus pertences.A sua voz era meio lenta,como se ele
fizesse um esforço para falar.Eu perguntei porque ele fez aquilo e a resposta
me deixou sem jeito,pois ele disse que desde a saida da cidade,havia percebido
que eu o seguia.Fiquei olhando prá ele e falei que não entendi o porque dele
ter deixado,que a minha forjada perseguição chegasse tão longe.Ele sorriu e
pude perceber que havia poucos dentes em sua boca...Ele disse que sentiu respeito
por mim,quando me olhou,ao sair da
mercearia,pois eu não abaixei os olhos como todos faziam na cidade e não o
encaravam por medo...Ele ainda me disse que percebeu que eu não era da cidade e
esperava que eu desistisse de seguí-lo
nas primeiras horas.Como isto não aconteceu,ele deixou que as circunstâncias
seguissem o seu rumo.O que ele fazia à muitos anos...Depois deste longo
diálogo,pois pelo que me disseram e eu havia percebido na mercearia,ele não falava quase nada,apenas o
nescessário,ele saiu...
Algumas horas
depois,ele chegou na entrada da caverna e
me chamou.Eu me levantei com dificuldades e o segui.Entramos em outra
caverna e numa das paredes,havia alguns desenhos feitos com carvão...Eram em sequências e no primeiro,havia um casal e
a mulher estava grávida.Em seguida,a mulher estava em uma mesa de cirurgia e o
homem tentava operá-la,mas algo pareceu dar errado,pois no desenho
seguinte,tinha duas sepulturas;uma maior e uma outra menorzinha e de frente,o
mesmo homem estava de pé e parecia que chorava...
Olhei para o meu
anfitrião e vi que ele estava chorando.Não sei porque,mas também
chorei...Ficamos ali por muitas horas.Tinha vários desenhos e culminavam com a
chegada do homem àquelas montanhas e por fim,nas cavernas.Imaginei que havia muita
dor naquela história gravada nas pedras por um pedaço de carvão.Percebi um
movimento e vi o homem se afastando.Resolvi seguí-lo e voltamos para a caverna
em que ele morava.Ele fez o jantar em silêncio e depois de comermos, sentou-se
perto de mim e disse que era médico em Belo Horizonte e depois de dois anos de
casado,sua esposa ficou grávida de uma menina.Ele dizia isto e seus olhos
brilhavam na semi-escuridão da caverna que nos envolvia.A narrativa prosseguia
e nos primeiros meses,a gravidez foi bem,mas nos dois meses finais,houve
complicações e ele havia feito de tudo para salvar a vida das duas pessoas que
ele mais amava.Todo esforço foi em vão.As duas vieram a falecer.Depois de
enterrá-las,ele pediu demissão do hospital
em que trabalhava,vendeu a casa e saiu pelo interior de Minas Gerais e
depois de torrar quase todo o seu dinheiro,veio prá estas montanhas e somente
aqui,na solidão que somente os que sofrem se impôem,encontrou um pouco de
paz...
Depois de me
falar a sua história,ele ficou me olhando por um longo tempo.Sustentei o seu
olhar e afirmei mais do que perguntei,se as gravuras que ele fez nas pedras da caverna,retratavam
a sua vida.Ele confirmou e foi dormir.Confesso que fiquei triste com o que ouvi
e senti as minhas lágrimas sairem dos meus olhos,como uma cachoeira...Fiquei
assim por muito tempo,pois lembrei-me do Nicholas,meu primeiro filho,que perdi
por incompetência médica e que por misericórdia divina,minha esposa não perdeu
a vida também.O que não foi o caso dele...Ainda chorando,adormeci...
Os dias foram
passando e parecia que enquanto as minhas costelas saravam,a amizade crescia
entre nós e percebi que o dr. Antônio,este era o nome do homem das
montanhas,gostava de conversar e uma tarde ele me perguntou o que eu fazia
naquelas paragens e qual era a minha real intenção ao seguí-lo.Estávamos
sentados em umas pedras,do lado de fora da caverna e eu lhe disse que era
escritor e que um amigo meu,quando estava escalando naquelas montanhas,ficou sabendo que havia um
homem estranho que habitava nelas e que ninguém sabia quem era ele.E como eu
gostava de mistérios,ele me ligou e eu vim parar naquela cidade,na esperança de
encontrá-lo.O que aconteceu né?Ele concordou com a cabeça e novamente ficou em
silêncio.
A noite,ele estava
deitado e me perguntou se eu ia escrever um livro sobre ele.Fiquei por alguns
minutos sem responder,pois sabia que o momento era delicado e eu jamais escrevi
sobre a vida de alguém.Bom,pelo menos não tão direto assim...Pesei bem as
palavras e disse que a minha intenção era esta,mas que,pelas pessoas envolvidas
na história,eu não teria o direito de escrever nada.Penso eu que a sua vida já
passou por vários estágios de sofrimento e eu não desejo causar mais um
dano,escrevendo sobre a sua família.Ele nada respondeu e eu dormi em seguida...
Na manhã
seguinte,depois do café,ele sumiu o dia todo e retornou só a tarde.Eu estava
sentado na s pedras que ficavam do lado de fora da caverna e depois de ter ficado
um tempo lá dentro,ele veio se juntar à mim.Ele disse que passou o dia na
caverna das gravuras e que se eu havia me esforçado tanto para tentar
encontrá-lo,deveria escrever sobre a vida dele e da sua família.Apenas me pediu
que jamais mencionasse os nomes deles e
o local em que ele morava.E que eu o visitasse,trazendo um exemplar do livro em
que eu narrava a sua história.Eu olhei prá ele,me levantei e o abracei como uma
amigo abraça o outro.Estava agradecido à Deus por ter conhecido alguém tão sofrido
e ao mesmo tempo,tão magnânimo.Entrei na caverna,peguei o gravador e ao voltar
para as pedras,começamos a gravar os acontecimentos da vida do dr. Antônio,da
cidade grande até aquelas montanhas...
Dois dias depois
eu pedi à ele que queria ver as gravuras novamente,para fotografá-las e em cada
capíulo que eu escrevesse,colocaria a gravura devida no começo da página.Ele entendeu e me deu permissão
para entrar na caverna,mas que ele não estaria presente,pois teria que
verificar algumas armadilhas que ele colocou no rio,para que pudéssemos comer
peixes no jantar.Ele saiu com as suas tralhas nas costas e eu peguei o meu
celular e fui em direção a caverna para fotografar as gravuras.Fotografei todas
e para minha surpresa,havia algumas novas e que retratavam um homem à
cavalo,uma em que o homem estava enfermo e outra em que o mesmo homem escrevia
um livro...Fiquei ali sentado por muitas horas e chorei por aquele homem tão
íntegro,honesto e tão sozinho.Chorei por seus sonhos estarem enterrados
naquelas sepulturas.Chorei por mim,pelos erros que cometi e dos quais não
consigo me libertar.Chorei por só saber chorar,chorei por que ele me via como
um amigo...
Me levantei e fui
para a outra caverna,mas não conseguia deixar de pensar nas últimas gravuras
que o dr. Antônio havia feito na sequência da sua vida...De repente ele entra
com vários peixes já limpos.Eram muitos peixes e ele me disse que pela manhã,
os salgaria e deixaria que secassem nas pedras,assim não se perderiam,pois ele
não tinha geladeira.O que me fez rir.Aquele noite comemos peixes fritos e
batatas.Depois fomos dormir...
De manhã,enquanto
tomávamos café,ele me perguntou se eu estava com tudo pronto para escrever o
livro.Eu afirmei e perguntei porque ele queria saber se estava tudo certo.Ele
me disse que seus mantimentos estavam acabando,pois ele havia feito uma
previsão de apenas ele comer,mas que acabou tendo de alimentar-me também.Por
isso ele perguntou,pois teria que voltar á cidade e comprar mais provisões.Eu
entendi e falei que arruamaria as minhas coisas imediatamente,pois ele queria
sair pela manhã.Ficamos em silêncio e em seguida adormeci com o pensamento de
aquela seria a minha última noite ali...
Antes que o sol
despontasse no horizonte,nós já estávamos descendo as montanhas.Eu montado no
cavalo e ele puxando a mula.Todo o trajeto da caverna até ao meio dia,foi feito
em silêncio e só paramos para comer um pouco.minutos depois nos colocamos em
movimento,na direção da cidade e da civilização.Ou era o contrário?Não sei
responder,pois eu só me dei conta do tempo em que eu fiquei nas
montanhas,quando chegamos na mercearia,na manhã seguinte.Algumas pessoas vieram
nos ver,a curiosidade era geral e ao entrarmos na mercearia,eu cumprimentei à
todos e agradeci pela preocupação.Disse que cai e fraturei algumas costelas e
que o meu amigo cuidou de mim.Percebi que o dr. Antônio havia se afastado para
o canto do balcão,pois ele estava receoso por não saber mais conviver em
sociedade,o que ele estava mais do que certo.Mas como eu dizia prá ele,um oi
não mata ninguém,ainda mais ele sendo médico,o que o fazia rir e quando isto
acontecia,eu me sentia de bem comigo mesmo,pois eu,naqueles trinta e seis dias
que convivi com ele naquela caverna,pude perceber o quanto era dificil ele
sorrir.Ele não tinha motivos prá rir.Ele não tinha amigos.Não tinha ninguém.Eu
sei como é se sentir assim,por isso o compreendia tanto...
Pedi à todos ali
que não comentassem com ninguém sobre o dr. Antônio e onde ele morava.Contei
sobre a sua vida e porque ele se mudou prás montanhas.Os moradores
compreenderam e aceitaram o meu pedido de zelarem pela vida daquele misterioso
homem das montanhas,o qual tinha uma alma maior do que ele mesmo...Pedi à ele
que ficasse comigo na pensão,como meu hóspede por um dia e que na manhã seguinte,quando
eu fosse embora,ele também subiria prás montanhas e continuaria a sua vida.Ele
aceitou,nos despedimos do pessoal e fomos à uma barbearia.Eu precisava fazer a
barba e o meu amigo,muito mais.Quando o barbeiro acabou de cortar o cabelo e
fazer a barba do dr. Antônio,eu não o reconheci e ele estava surpreso com o que
via no espelho.O meu amigo ficou mais novo uns dez anos e ele tinha apenas
cinquenta e dois anos.No caminho até a pensão,passamos em uma loja e comprei
roupas para o ele.Não que ele quisesse,mas eu insisti tanto,que não houve como
não deixar que eu fizesse um agrado em forma de amizade.Passamos o dia todo
conversando sobre o livro e eu pude perceber que a dona da pensão não tirava os
olhos do dr. Antônio e eu disse que ia ao banheiro,pois havia muito tempo que
eu não sentia o aconchego de uma casa.Minutos depois,eu voltei pisando de leve
e vi que os dois estavam num papo muito bom e disse à eles que ia até a
mercearia.Naquela hora só estava o dono no balcão e pedi uma coca-cola e
enquanto a bebia,falei pro merceeiro que toda compra que o dr. Antônio fizesse
ali,seria pago por mim.Eu dei o número do meu celular prá ele e pedi que me
ligasse e passasse o valor,que eu depositaria na conta dele.Acertamos tudo e eu
voltei prá pensão.Tudo estava como eu deixei;o papo ainda continuava
firme.Pensei que não passaria muito tempo e que meu amigo não estaria mais
sozinho...
Na manhã
seguinte,depois das compras feitas e das minhas coisas estarem no carro,me
despedi de todos ali e fui seguindo o meu amigo até a saída da cidade.Ao
chegarmos no começo da trilha que vai às montanhas,parei o carro e fui até o
dr. Antônio,aperteia as suas mãos tão calejadas e o abracei forte.Ficamos assim
por alguns minutos e soube que ele chorava em silêncio e eu não estava
diferente dele,pois a nossa amizade é verdadeira e sincera.Nos afastamos um
pouco e eu fiz uma última pergunta referente ao que eu ia escrever;perguntei
quem era quele homem descrito nas últimas gravuras...Ele me olhou por um
momento e disse que era eu,o amigo que ele resgatou do fundo do poço e o qual
ele cuidou como o médico que ele sempre foi...Eu o abracei novamente e prometi que traria o livro para ele ler e que o
visitaria algumas vezes,desde que ele me retornasse a visita.Ele aceitou e
enquanto subia pela trilha,fiquei
encostado em meu carro,pensando em tudo o que passei naquelas montanhas,no
valor de uma amizade que ninguém previa acontecer,mas que Deus permite o
milagre da transformação da dor em esperanças.Ele havia me tirado do fundo do
poço literalmente,pois há muito tempo que eu deixei de acreditar em certas
amizades.E ele também sofreu mudanças,que em pouco tempo se confirmaria na vida
dele e de uma certa senhora,dona de uma pensão em uma pequena cidade,que mais
parece uma vila.
Liguei o carro e
acelerei forte em direção ao meu destino,pois teria muito o que fazer nos
próximos meses.O meu maior dilema era com o título do livro...Poderia ser “ O homem das montanhas ”,ou “ Pedras que falam ”.Mas enquanto os
kilômetros iam sendo vencidos,meus pensamentos estavam à toda velocidade e eu
relembrei do sofrimento por que passou o meu amigo e tudo começou por que ele
perdeu a sua esposa e a filhinha tão desejada por eles.Todos temos sonhos e se
os sonhamos,é porque amamos.Toda história,por mais tristre que seja,existe
amor.O amor é a base de tudo nesta vida e ele perdeu tudo o que tinha e por
sentir tanta dor,se perdeu na vida e só conseguiu se encontrar na solidão
daquelas montanhas...O título do livro será “ Não há limites para amar...!”
Eu sempre
escreverei sobre o amor,mesmo que ele
não seja meu companheiro e não faça parte da minha vida.Não importa,pois
a vida é feita de amores.Sei que em todo lugar,haverá alguém amando e sendo
amado.Ou alguém que sofre e ao ler o que escrevo,se identificará no que
descrevo nas minhas histórias.As pedras podem falar,mas nem todos sabem
perceber e ouvir as suas vozes.Naquilo que me inspiro prá escrever; “a arte
imita a vida”,ou será que é o contrário?Apenas entendi que de tudo quanto o
sábio aprendeu,nada se deixou escrito...Não há limites para amar ou para se
escrever livros...!”
23/07/2011
Nilo Mendes.